Capítulo III – A floresta das origens
A cidade de Guatacape era grande e histórica, porém, nunca o foco do governo do estado. Os maiores investimentos eram sempre na capital do estado, São Paulo, prova disso era o núcleo do Parque Estadual da Cantareira de Guatacape, que era o único núcleo do parque que não era aberto ao público.
Nesse momento, Lucas estava indo para lá. Sempre que se sentia desolado ele ia até lá. Mesmo correndo riscos.
O parque era totalmente rodeado de cercas, mas existia um portão que seria a entrada para o parque se este estivesse aberto. Essa entrada ficava no fim da rua Antônio Vieira, onde Yan e Melissa moravam.
No fim, havia um cruzamento com outra rua em horizontal. Nela, uma estrada de terra, havia trilhos nos dois sentidos que seguiam em linha reta. Era a única linha de trem da cidade e cortava o bairro Lagoa Maior, onde Yan morava, e o Centro.
Lucas caminhou até a entrada e leu a placa sobre o portão: Parque Estadual da Cantareira – Núcleo de Guatacape. Área restrita! e em letras miúdas: Esta área possui muitas suçuaranas e animais selvagens.
Era inevitável não ler a placa, porém, isto não impediu Lucas, assim como nunca havia impedido. Então ele entrou por uma fresta numa cerca de arame que ficava ao lado do portão.
Existiam outros fatos sobre esse lugar que a maioria das pessoas desconhecia – e quem conhecia levava como lenda.
Lucas correu para a floresta.
Não era uma floresta nada comum, coberta pelos vestígios da origem, as dádivas reluziam por dentro das gigantes árvores. Ali se localizavam as essências desconhecidas, de poderes inimagináveis.
Sem pensar em nada, Lucas não se recordou dos rumores. As lembranças somente vieram à tona quando ele atingiu o coração da floresta, o Paraíso Negro, de beleza e perigo espantoso, um lugar habitado por perigosos e desconhecidos animais.
As lágrimas escorriam pelo seu rosto, Lucas sentia uma solidão terrível. Formada a fogueira, foi surpreendido por um temível predador, uma onça parda.
O que fazer? Uma pergunta irrespondível, pelo menos para ele. O desespero subiu à cabeça, até que a pergunta recebeu uma resposta, apareceu um homem robusto e cheio de ódio, todo corpo estava coberto por uma vestimenta negra, tal como as roupas árabes. Com as mãos chamuscadas e cobertas de fogo, o homem matou a onça com um só golpe, mas tão intenso que o animal foi jogado a muitos metros longe dali.
O homem subitamente entregou-lhe um papel, no qual tinha como título “A Profecia”. Semicerrando os olhos em meio à escuridão, Lucas fez um tremendo esforço para enxergar e ler a carta, todavia, o homem estendeu-lhe as mãos cobertas de fogo, como uma fonte de luz para a leitura. Lucas deixou vacilar um pequeno sorriso pelo gesto, pois não esperava isso de um homem tão rude e violento. Ficando visíveis as letras, ele pôde ler facilmente, sobre o papel sujo e manchado estava escrito:
“Enquanto estiver vivo, passará pelo fogo. O escolhido terá de vencer todas as provações para poder receber o reconhecimento merecido, mas não para por aí, a guerra ainda há de começar”.
Terminada a leitura, ele olhou para o homem obscuro e seu olhar de desespero foi surpreendido por um golpe do sombrio. Desferindo um soco estupendo, o homem arremessou-lhe sobre os galhos pontudos de uma árvore próxima.
Impulsionado pela fúria, Lucas sustentou-se em um forte e espesso galho e com força admirável esticou o pé com o intuito de acertá-lo na cabeça, mas o sombrio desviara. Tomado pelo desespero, Lucas se lembrou de seu canivete que guardava em seu bolso. Soltou as mãos do galho se pondo ao chão, desviou-se quase perfeitamente do golpe do homem obscuro. Infelizmente o fogo o queimara de leve e o homem revelou a tal infelicidade:
– Eu o controlava superficialmente, mas agora que te acertei com o fogo tenho controle total sobre sua mente. – Vociferou sarcástico. O ódio e o sarcasmo extremo consequentemente assustaram Lucas.
Incrédulo, atingiu o pescoço do homem. Mesmo trêmulo e com medo, Lucas o acertara eficientemente, perfurando e espirrando sangue.
O homem, então, tirou a toca que cobria o rosto:
– Perdão, filho. – Espatifando-se no chão, o homem sombrio revelara sua identidade.
– Filho? – Disse estranhando a fala do homem. – Pai, é você? – Reconhecendo-o foi ao seu encontro comovido.
– Perdão... – Pausou, arrancando o canivete flexionado pela queda. – Agora não há mais o que fazer, eu o atingi com as essências negativas, perdão.
– Perdão, digo eu, por ter te atacado... – Observou ao seu redor as dádivas reluzentes. – Mas o que são estas essências negativas?
– Ah, elas são sobras, além das positivas, que são: Vida, Tempo, Amor, Sabedoria, Água, Fogo e Terra, existem as negativas, que são os dons não desenvolvidos, incompletos. Porém há outras desconhecidas e esse lugar está cheio delas.
Lucas empolgou-se:
– Minha professora contou sobre isso, mas eu achei que fosse só história.
– Iliana, não é? – Arriscou uma dedução.
– Sim, você a conhece?
– Nossa! Há muito tempo! Eu presenciei o dia que ela recebeu o dom da sabedoria. Aliás, você sabe quem é o dono da essência do tempo? – Uma tosse rompeu o silêncio deixado pela pergunta.
– Que incrível! Iliana tem mesmo algo diferente. – Parou e lembrou-se da pergunta que seu pai fizera. – Essência do tempo?
Imediatamente Lucas foi tomado pelas memórias do mundo em que havia uma bomba na escola. Novamente seu pai o surpreendeu:
– Você sabe por que vieram tais memórias? – Interrogou assustando-o.
– Mas como você sabe disso?
Tossindo sem parar, o pai de Lucas, Anderson, expirou. Ele estava morto.
Então o que chamamos de impossível acontecera. Sobre a mão direita e o peito de Lucas caíram gotas com as mesmas características das que Yan recebera. Sem dor alguma, nasceram chamas de fogo sobre os locais atingidos.
Estranhando o acontecimento, Lucas tocou o peito de seu pai com as mãos cobertas de fogo e um milagre aconteceu, Anderson Fontanelli revivera sussurrando: – Obrigado, filho.
Houve um lindo e comovente abraço por longos minutos.
Lucas quis retomar a conversa.
– Não entendi, que memórias são essas? Eu não me lembro destes acontecimentos!
– Por isso... – Suspirou levantando-se. – Yan dono da essência do tempo...
– O Yan? Nossa! – Interrompeu ele.
– ...viajou no tempo acidentalmente. – Continuou. – Porque na antiga realidade Iliana disse à sala que tinha uma bomba relógio na escola. A viagem é ativada quando ele sente medo.
As palavras despertaram extrema curiosidade em Lucas.
– Como você sabe de tudo isso? Desde quando você conhece o Yan?
– Não conheço, sou um portador de essência, nós compartilhamos esses conhecimentos. – Disse atenciosamente.
– Então, quando o Yan fizer outra viagem eu saberei? Mesmo sendo em outro mundo?
– Isso mesmo, você é um escolhido, recebeu o dom da vida, você me ressuscitou! E porque naquele mundo vocês morreram! Porém há, na nossa realidade, sete universos paralelos principais criados por Deus e os universos paralelos menores, decorrentes de viagens no tempo e coisas do gênero.
– Entendi, quer dizer que mudanças no decurso do tempo criam outros mundos?
– Isso mesmo, que bom que entendeu. Nesse momento estamos em um universo paralelo principal mesclado com um universo menor.
Nesse momento, Lucas se deu conta do tempo que estava na floresta, sabia que havia pessoas preocupadas com ele.
– Pai, preciso ir, vamos comigo? – Indagou calmamente.
– Sim, irei, porém voltarei. – Respondeu.
– Por quê? Esse não é um bom lugar para você!
– Você não entende, filho, há algo aqui que precisa ser protegido e somente eu posso cuidar disso.
– O que há aqui?
– Não posso dizer. Você descobrirá. Então vamos?
– Está bem. – Disse decepcionado.
Sem perceberem, Anderson e Lucas já avistavam o portão e as cercas do parque abandonado. Anderson pegou uma caneta esferográfica e começou a escrever algo. Depois de escrever, ele entregou a seu filho.
Lucas recebeu o papel e ao sair do parque encontrou Yan e Melissa.
– Lucas! Que alívio! Faz dez horas que estou te procurando! – Murmurou Yan, evidentemente preocupado.
– Dez horas?! – Lucas ficou boquiaberto e percebeu uma coisa que não tinha reparado, era noite, apesar de não ter passado muito tempo lá dentro. – Desculpe, amigo, eu me perdi na floresta. – Incitou deixando escapar um pequeno sorriso sem jeito.
– Você é maluco? O que você estava fazendo nesse parque? Tem muitos animais selvagens aí, não é, Melissa?
Melissa assentiu e a mente de Lucas foi tomada pelas imagens de seu pai matando a onça com aquela força sobrenatural, seu coração pulava.
– Bom, eu costumo vir aqui sempre que me sinto mal e nunca tive problemas. – Observou Lucas.
– Até agora! – Alertou Yan.
– Tome mais cuidado! – Pediu Melissa.
Juntos caminharam para casa bem humorados e em meio a muitas gargalhadas. Quando Yan foi se despedir de Melissa, Lucas lembrou-se de horas atrás e do que fizera, lembrou-se do que seu pai dissera sobre controlá-lo, seria tudo isso verdade ou Anderson já estava perdendo a sanidade? Por que ele estava lá?
Lucas percebeu que seu pai o encheu de perguntas e não lhe trouxe respostas. Até hoje, Lucas não sabia de seus pais, nem lembrava qual era sua última lembrança deles. Gravou seus rostos por algumas fotos que tinha em seu quarto na casa de Yan.
Chegando em casa, esqueceram da gravidade do que aconteceu e foram vítimas de reclamações da mãe de Yan, Salete, por causa do horário de chegada e por causa do sumiço de Lucas. Yan foi banhar-se e Lucas caminhou ao seu quarto. Acelerando o passo, trancou a porta rapidamente, pegou o papel em seu bolso e se pôs a ler:
“Não comente nada sobre a conversa com seu amigo, nem mencione nada sobre dons. Lembra que eu te controlei? Eu te contei, então estou me sentindo culpado. Como eu te atingi com o fogo, a chama dotada das essências negativas, você teve atitudes impensadas. Antigamente eu só te controlava pela ligação de sangue, as essências negativas foram passadas a você, agora tenha cuidado, sem sua percepção fará coisas horrendas.”
Assustado ele guardou o papel em sua gaveta. Suas mãos tremiam e seus pensamentos eram um tanto quanto fluentes. Apagou a luz, deixou a porta entreaberta, pegou sua toalha vermelha no cesto de roupas e foi se banhar também.
Passava das dez e meia da noite quando eles terminaram os afazeres, beberam um chocolate quente e se colocaram na cama.
Yan revirou-se e adormeceu. Em meio à noite fria, acordou inúmeras vezes, mas, de tanto insistir e se remexer na cama, ele dormiu para mais um novo e misterioso sonho.
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