Capítulo VII – Tons de cinza
O dia pós-festa amanheceu chuvoso. Na cidade de São Paulo as violentas pancadas de água enchiam as ruas, a aparência era repugnante, ruas alagadas e casas destruídas. Era o que Alice via na televisão, mas ainda assim, não era no que pensava, tudo que havia acontecido na festa ainda estava em sua mente – e na casa que ela precisava limpar e organizar.
Interrompendo sua reflexão, o telefone pregou um susto nela. Ao atender, ficou surpresa quando soube que era Fábia, grande amiga sua e de Carlene, com um vestido preto e com meias de lã, sentou-se em sua cadeira dizendo:
– Nossa, que surpresa! Tudo bom, amiga? – Sua voz era suave.
– Oi, amor, então, vamos dar uma passada no shopping? Estou aqui em casa com a Carlene. – Sorriu.
– Vamos sim, que horas? – Perguntou Alice.
– Acho que umas 16h está bom, o que acha? – Sugeriu Fábia.
– Ah, ótimo, tudo bem, então, até mais tarde!
– Até! Beijo.
O dia, além de chuvoso, estava frio. Alice organizou a casa e fez seu almoço. Algumas horas depois, tomou banho e hidratou seus cachos negros, trocou de roupa, maquiou-se, e em mais ou menos 30 minutos antes do combinado ela já estava pronta.
Esperando dar o horário de ir, um filme passou em sua cabeça, aqueles momentos com o Yan foram incríveis. Quando pensou em mandar uma mensagem para ele, alguém a chamou no portão, eram as meninas.
– Já estão aqui? – Perguntou Alice surpresa, enquanto abria o portão.
– Você já está pronta? Se estiver, vamos. – Disse Carlene.
– Tudo bem, espera aí, só um segundo.
Enquanto isso, Yan arrumava-se para sua consulta ao psicólogo. O relógio contava uma hora da tarde. Então passada aproximadamente uma hora e meia, Yan estava muito elegante, vestia uma calça jeans preta, uma camiseta vermelha de mangas curtas e de tecido fino e calçava um tênis branco.
Ele ainda tinha um pouco de dificuldade em ir aos lugares sozinho, geralmente ia ao psicólogo junto de sua mãe Salete. A dificuldade nesse momento era maior do que deveria, por conta das experiências estranhas que tinha tido em suas viagens, então tentou pensar em coisas boas, como Alice. Pensou em mandar uma mensagem, mas já estava um pouco atrasado para sua consulta.
Quando pensava em chamar sua mãe para ir, Yan começou a ter crise de ansiedade. Ele correu para o quarto, porém já era tarde demais, pois a crise ativou seu relógio interno. Chegando lá, se deparou com uma pequena adaga e uma luva branca fosca em sua cama. Sem entender o que estava acontecendo, agiu por instinto e colocou-a sobre sua ensanguentada mão de costume. Na luva, ele via uma contagem de tempo antecedente ao "deslize". Quando os números pararam com a rotação, Yan viu que estava indo ao passado novamente, pois a luva mostrava a data: 18 de fevereiro de 1922.
De repente, viu toda aquela cena novamente, tudo começou a tremer e a se misturar, as cores e as formas, até ficar completamente escuro. Ao chegar na data indicada na luva, ele se viu dentro de uma floresta novamente, parecia ser a mesma que viu anteriormente.
– Parece ser o mesmo lugar de antes, mas muitos anos depois. – Disse ele.
Yan correu no sentido oposto de anteriormente, e após dez minutos deparou-se com uma coisa inacreditável, Guatacape. Yan podia ver a rua de sua casa e a linha de trem, era o mesmo lugar exceto pela entrada do parque, não havia portões e nem placas com aviso de perigo, o parque era aberto.
Ofegante ele parou e passou a observar aquilo, de repente, viu uma trilha de barro e resolveu segui-la. Seguindo-a por uns quinze minutos, deu de cara com o mesmo mosteiro que vira antes, só que desta vez não havia nenhuma oca indígena, aos fundos havia outra coisa diferente, viu um padre e não parecia ser um jesuíta, como o de antes, este usava uma batina branca com detalhes verdes, era muito branco e de nariz avantajado.
De repente, tudo começou a tremer e Yan percebeu que estava voltando.
Ao chegar em 2011, ele caiu em sua cama e rolou, atingindo o chão e colidindo com a cabeça contra o guarda-roupa. É, essa não foi uma boa aterrissagem. Com os barulhos dentro de seu quarto, sua mãe assustou-se e gritou:
– O que está acontecendo, Yan? Está pronto pra sair?
– Sim, mãe, estou pronto. Eu estou bem, é que tropecei aqui. – Disse em voz alta.
– Então desça, estamos saindo.
Ele guardou aqueles objetos estranhos – a adaga e a luva – no seu guarda-roupa e desceu as escadas ligadas ao seu quarto, ofegante interrogou sua mãe.
– Minha carteira de identidade e cartão de convênio estão aí?
– Estão aqui, vamos. – Respondeu ela.
– Milagre, você foi a primeira a terminar de se arrumar hoje. – Brincou ele.
O caminho foi silencioso, chegando na clínica, entregou a identidade e o cartão à recepcionista, que conferiu a consulta e devolveu o cartão dizendo: – Só aguardar! – O menino do tempo respondeu com um sorriso e ao dar as costas viu sua psicóloga Rosimeire, que com um sorriso pacífico e bonito cumprimentou-o.
– Olá, amigo, tudo bem? – Disse pegando algumas fichas na recepção.
– Estou bem, sim. – Disse timidamente.
– Que bom – Tocou seu ombro e retornou ao seu consultório para atender seus outros pacientes.
Yan sentou-se à espera da sua consulta, era o primeiro dia de uma terapia em grupo que aceitou fazer.
Passados trinta minutos, ele entrou no consultório e ao assentar-se viu seus companheiros de terapia, cumprimentando com um tímido "Oi".
– Primeiro, vamos começar com as apresentações. Quem gostaria de começar? – Perguntou Rosimeire.
O silêncio se instalou no ambiente, todos estavam apreensivos.
Rosimeire compunha-se de uma blusinha preta que era coberta por seu jaleco branco, uma calça jeans azul fosca e um salto preto. Na sala, estavam presentes: Yan, Gabriela – uma bonita garota de cabelos pretos e repicados – Mariana – morena de cabelos pretos com mexas douradas nas pontas –, Maria Carolina, Jefferson e Witor. Infelizmente, três outras pessoas ausentaram-se: Keyla, Carla e Mateus.
O silêncio dominava o ambiente e, claro, isso incomodou um pouco. Mariana teve a iniciativa de se apresentar e aproveitou para contar um pouco sobre sua vida e o que estava enfrentando, era quase que imperceptível, mas de alguma forma Yan avistou o desejo das lágrimas lampejarem nos olhos dela, contudo, ela optou por não permitir que elas tocassem o chão.
Depois de ouvir todos os depoimentos de seus pacientes, a psicóloga ficou dizendo coisas como: "Vai passar"; "Peça desculpas"; "Seja paciente"; "Não se desespere". O menino do tempo percebeu que todos tinham problemas, mas que não deveriam deixar de enfrentá-los, seja lá quais eram todos esses acontecimentos, o sentido de tudo isso, ele não estava sozinho.
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