Capítulo XXII – Verdadeiro inimigo
– Mãe! – Gritou Yan.
Ele estava ofegante. Desesperado não conseguia falar, ou seja, estava de mãos atadas.
Ao teimar em correr, Anderson tomou sua frente, como se estivesse se teletransportando.
– Opa! – Parou-o com a mão em seu peito. – Onde pensa que vai, preferido? – Enquanto Yan franzia a testa o homem sorria, desenhando palavras incompreensíveis – Aliás, "preferido" é um bom apelido, não acha?
– Do que está falando?
– Ora, do que eu estou falando? – Ironizou ele – Você é o mais privilegiado aqui, porém não faz bom uso disso.
Yan cerrou os dentes e os punhos. Então o vento derrubou a gota de sangue que estava em seu queixo e lutava para não tocar o chão.
– Chega de besteiras. – Alertou Anderson a Yan que andava.
– Eu aconselho que pare, pois, se você der mais um passo, seus pais estarão mortos – As palavras ditas não foram muito bem assimiladas por Yan.
– Como? Você nem os fez de refém!
– A verdade é invisível aos olhos – Relatou.
Estranhamente seus pais não conseguiam se mexer nem falar, mas o menino do tempo obviamente não sabia disso.
– Pare de blefar! – Exigiu ele.
Yan empurrou o violento homem, agachou e pegou seus pais nos braços.
Era de espantar a energia que acompanhava estas palavras e era sentida pelo menino do tempo.
– Eu avisei! – Disse Anderson.
– Yan, cuidado! – Gritou Lucas tentando correr.
Enquanto Lucas tentava sair do lugar com muita dor, Anderson, seu pai, fez algo.
De palmas para cima e mãos levemente fechadas, o confrontador rasgou os corpos de Salete e Antônio com poder inexplicável.
Lucas não chegou a tempo e só derrubou seu pai depois do ataque cruel.
Esperanças estraçalhadas, lágrimas desciam sobre seu ensanguentado rosto, o mundo dele desabou. Ele desatou a chorar. As pessoas que mais amava na vida não tiveram chance de argumentar ou de se defender.
Yan fitava a camiseta alaranjada rasgada de baixo da túnica negra de Anderson.
Rangendo os dentes com fúria e rancor e direcionando seu olhar ao rosto do insuportável, ele correu tentando atacar o assassino, mas Anderson levantou a perna e, em sincronia perfeita, acertou seu rosto violentamente, jogando-o a uns 5 metros dali.
Um déjà-vu reinou sobre Yan Lopes, lembrando-o de sua luta com Arthur, na qual tivera uma visão de seus pais mortos em seus braços. Era esse o fatídico dia.
Ele não sabia o que fazer, perdido em um desespero devastador e em uma tristeza profunda só pensava em sair daquele lugar. E por isso tentou ativar a viagem ao passado recém-morto. Mas..., mas não aconteceu absolutamente nada.
Vendo isso, Anderson findou com as esperanças do garoto, agora órfão, dizendo:
– Impossível! – Noticiou Anderson.
– O quê? – Levantou Yan, olhando para suas mãos.
– O seu poder aqui, no ano de 2004, está selado!
Anderson não o deixava falar.
– Não só o seu, como o de todos aqui!
Calafrios percorreram os escolhidos.
– Eu não entendo.
Lucas cruzou os braços, incrédulo. Esperando a resposta por não ter conseguido se curar.
– Está vendo este anel? – Ele estendeu sua mão mostrando o dourado e lindo objeto. – Com este anel, banhado nas essências negativas, posso tomar poderes só de tocar na pessoa.
Lucas e Yan inspiraram, mas novamente ele não os deixou falar.
– Ah, e claro, junto ao meu poder mental, que é super raro, sou invencível.
Surpreenderam-se os jovens valentes. Mas Lucas olhou para Yan e entendeu que era para manter a calma. Mesmo pingando sangue, mesmo na tempestade, era preciso manter a calma.
***
Com seu poder, Anderson incapacitou os outros presentes. Fazendo-os reféns levou-os mais além na floresta, deixando-os encostados nas árvores.
No sentido oposto ao das árvores, foram levados Yan e Cassiano. Depois de longos passos, eles depararam-se com uma velha casa.
Na casa judiada pelo tempo, o vilão os levou a um quarto amarrotado. Ao lado da janela do quarto, havia um espelho, um espelho grande e rachado – talvez pela violência de alguém. Porém algo estranho acontecia.
Logo depois de Anderson deixá-los na casa, os dois ficaram de frente para o objeto. Mas, no espelho, havia somente o reflexo de um dos dois e, como em slides, a cada segundo mudava o reflexo: ora refletia Yan, ora refletia Cassiano.
Com os olhos fitados no espelho, a compreensão dos fatos fugia.
– O que está acontecendo aqui? – Interrogou o pasmo Yan.
Ele olhou para Cassiano, procurando saber se ele estava ciente de alguma coisa, mas ele andou para trás e sentou-se na cama.
Com as mãos sobre o rosto, ele falou:
– Olha, Yan, fique calmo. Já ouviu dizer que o espelho revela a alma?
– Sim, mas nós dois temos alma, não é?
Cassiano revirou os olhos.
– Sim, claro. – Afirmou Cassiano.
– Então... Como se explica isso? – Resmungou Yan, apontando para o espelho.
– Tempos diferentes. Mesma pessoa. Mesma alma.
– O quê? – Ergueu os olhos.
– Eu sou você! Porém mais velho. – Revelou Cassiano.
Engolindo a saliva, ergueu os olhos e abriu a boca, mas gaguejou. Ele tentava argumentar, mas já não tinha argumentos. Essa era a situação em que se encontrava o jovem Yan.
– Não.... Não.... Não pode ser! – Yan tocava Cassiano, para matar as dúvidas de ele ser real ou não.
– Só você pode viajar no tempo? – Cassiano olhou no fundo dos olhos de Yan.
Atordoados, os dois colocavam as mãos sobre suas cabeças.
– Bem, acho que esse contato direto entre "eu" de tempos diferentes causa alguns efeitos colaterais. – Sorriu Yan, fazendo sua observação.
– Parece que sim. – Concordou.
Cassiano levantou-se e os dois observaram a casa de madeira aos pedaços, sentiam que se ela pudesse falar teria muita história para contar.
Passados poucos minutos, apesar de necessitar de muitas respostas, Yan começou com uma pergunta simples.
– Então... – Cassiano o olhou ansioso pelo resto de sua fala – Por que "Cassiano Meirelles''?
Cassiano sorriu, pensando em algo ou alguém.
O ambiente estava belo, a noite fria e o céu estrelado, então lembrou-se. Passou pela mente de Yan a noite em que recebera o dom, vislumbrando o céu pela janela.
– "Cassiano" é o nome de seu futuro filho.
A resposta o fez sorrir, mas nada tirava-lhe da cabeça o acontecido com seus pais.
– E "Meirelles"? – Perguntou.
O Yan mais vivido abaixou a cabeça pensando: "Quando voltei ao passado, imaginei que poderia acontecer isso, então deve ser esse o momento". Ele andou até a cama e sentou-se novamente, o mais novo fez o mesmo.
– Eu não quero te desapontar, mas este sobrenome só foi escolhido para você manter sua atenção em mim.
As palavras nocautearam Yan.
– Então... A Alice? – Murmurou hesitante.
– Não, Yan, ela não é a mulher da sua vida.
As últimas palavras não chegaram nem a penetrar Yan suficientemente, quando Anderson chutou a porta fazendo-a sair de seu devido lugar.
Corações aceleraram-se.
– Vamos, Yans, hora da verdade. – Puxou os dois do quarto levando-os para fora da casa.
***
Foram tomados de raiva. Os Yans atiravam palavras, elas batiam, porém, caíam ao chão. Yan as pegou do chão quando empurrou Anderson largando sua mão de seu braço.
– Anderson! – Desafiou Yan.
Anderson soltou Cassiano e, cerrando os punhos, olhou para trás onde todos estavam amarrados com uma corda brilhante sob as árvores.
– Diga! – Rebateu ele.
– Sabe qual o seu problema? É não viver pelos outros, você só vive por você mesmo! Anderson, desse modo sua vida sempre será incompleta, a não ser que...
– A não ser que, o quê? – Anderson rasgou as cortinas da tolerância.
– A não ser que você veja o que há aí dentro. – Yan apontou e tocou o peito de Anderson, explicando.
– E o que há dentro de mim, idiota?
– Dentro de você há um coração.
Passou pela mente de Anderson antigos acontecimentos e assim a torre tremeu, o pedestal balançou, mas ele colocou novamente sua máscara.
– A fantasia de suas palavras me enoja!
Yan suspirou desistente e Anderson puxou os dois jogando-os ao chão.
No silêncio cabia muita coisa, mas, o que o ocupava era a ansiedade.
De todos ali, somente Yan e Cassiano estavam livres de cordas.
Yan cruzou os braços tentando entender a origem daquelas cordas que amarrara seus amigos. "Isso tem natureza celestial", ponderou ele.
O menino do tempo ganhara o dom da percepção, assim, discernia qualquer coisa.
Ao contrário de Yan, Lucas tentava entender, mas em sua mente só vinham perguntas. Chegara ao patamar mais alto das dúvidas.
"Por que fui abandonado?'' ou ainda: "Por que não tive uma família?", pensava impacientemente. Seu maior medo era que sua personalidade fosse comprometida.
Ele tentava e tentava, usava muita força, mas não, ele não se livrava das cordas.
– Quietinho, meu filhinho. – Disse Anderson.
Pela primeira vez, ele sentiu a raiva pular para fora de si, quando o assunto era seu pai.
– Arthur! Dá um jeito nesse cara! – Exigiu Anderson.
Sim, era o “professor da matemática”.
– Arthur! – Gritou Yan impressionado.
Yan correu, mas Anderson estendeu a palma de sua mão e, à distância, com seu poder o jogou para longe.
Fernando obviamente lembrava-se.
– Seu desgraçado! – Atirou.
– Cuidado com as palavras, meu querido.
– Não fale assim comigo! – Exigiu Nando.
Yan já ensanguentado, roupas rasgadas, e agora sujas de grama, levantou-se.
– Hei! – Gritou Anderson.
Ele sorriu sarcasticamente.
– Você está tentando entender a natureza destas cordas? – Apontou para os amigos inibidos.
"Quantos poderes esse desgraçado tem?", pensou Yan.
– Olha o que pensa de mim, seu moleque. – Seu semblante se fechou. Todavia, por incrível que parecesse, ele tinha um controle emocional muito grande.
– Yan! Você se lembra do incidente da bomba? – Ironizou ele.
– Como você sabe? – Interrogou Yan pasmo.
– Tenho minhas artimanhas. – Incapacitou a compreensão do menino do tempo.
– Então era mentira! – Gritou Lucas – Não compartilhamos conhecimento algum. Você controla a mente das pessoas.
– Olha, meu filho é esperto! – Inicialmente ele se assustou, mas se recompôs. – É verdade, você está certo. – Confirmou.
– Não! Isso não responde tudo! – Se expôs ofensivo novamente Yan Lopes.
O abrupto humano estava ficando sem saídas e, nessa altura do jogo, achou que não faria diferença, então revelou:
– Eu tenho um mensageiro dos céus!
Um vento gigantesco tomou conta do ambiente. As cordas que eram inquebráveis arrebentaram. Apareceu um anjo.
– O que está acontecendo? – Murmurou Yan.
– Nada do que você já não saiba. – Disse o ser sobrenatural.
– Sim, mas você é diferente. O que é você? Suas asas são maiores do que as de Maurício e as dos outros.
– Sou um arcanjo, idiota.
O menino do tempo se impressionou com tal revelação, ele engoliu saliva e o arcanjo não perdeu a oportunidade de dizer:
– Me admira?
– Não, o seu coração não é de um arcanjo justo.
– Que petulância! – Disse Fael com os olhos arregalados.
– Desculpe, só disse o que senti.
Lucas, Cassiano e Fernando estavam boquiabertos com a ousadia de seu líder.
– Abaixe suas palavras e atos. Você só lidera um exército de baratas. – Afrontou o arcanjo.
– Quem é você?
– Fael.
– Não é tão simples. Como um arcanjo pode ser assim?
– Assim como? Eu desperto poderes, meu caro.
O gigante agachou-se olhando para Yan, então afastou o olhar, pois ofuscava sua visão.
Com os olhos semicerrados disse:
– Antes de me explicar, tome uma forma mais discreta.
Quase que de imediato, o arcanjo escondeu as asas e ficou do tamanho de um ser humano. Sua altura era por volta de 1, 75 m.
Com um terno refinado e cabelos negros, Fael esbanjava elegância.
Yan não se intimidou e socou seu rosto dizendo:
– Explique-se.
Não houve efeito e nem arranhões, o que provocou gargalhadas em Anderson. O novato herói recuou, percebendo que havia algo estranho, algo importante que devia saber.
– Eu levantei o Anderson! Eu despertei seu poder! Devia me agradecer, idiota.
Nada aparentava compreensão.
– Espere! Uma coisa de cada vez! – Disse Yan.
Logo após Yan Lopes dizer isso, Anderson direcionou uma feição negativa a Fael.
– Como assim? – Yan estava impaciente e sedento por explicações.
– Eu despertei seu poder, eu dei o dom do tempo a você. – Revelou Fael.
– Mentira! Quem me deu o dom foi Deus. – Retrucou ele.
Fael suspirou.
– Sim, foi uma ordem minha, mas, graças a um pacto entre mim e Anderson, chegamos a esse dia.
Era inacreditável, parecia um enredo de um fantasioso livro. Parecia uma piada de mau gosto, assemelhava-se a uma comida sem sal ou a um doce sem açúcar.
– Isso é impossível! – Gritou o menino do tempo.
– Não, Yan, é o seu destino!
– Não existe destino, quem faz o nosso caminho, quem faz o futuro, somos nós.
– Ah, é?! E se eu destruísse o seu futuro? – Após dizer isso, Fael pegou a faca que Anderson guardava consigo e esfaqueou Cassiano no coração.
E, enquanto caía ao chão, Cassiano balbuciava algo e o único que entendia era ele mesmo.
Yan não entendeu o esforço, aquele grande esforço para dizer somente:
– Não há saída!
Não havia nenhum significado aparente. Fatal e cruel, simples e direto. Cassiano estava morto.
– Cassiano! – Gritou todos os escolhidos em alto e bom som.
Yan sentiu uma fraqueza inexplicável e desmaiou no campo de batalha.
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