Capítulo XXIV – Fragmentos
Maurício saiu da floresta junto dos amigos de Yan e, pegando-os pelo braço, teletransportaram-se a uma casa perto da rodovia Presidente Dutra, em São Paulo. Ao chegarem, deram de cara com uma garota de cabelos cacheados, ela vestia uma camiseta vermelha e calça jeans, carregava uma bolsa preta e andava com elegância.
– Oi, esses são Larissa Lins, Iuri Guerra e Rafaela Castro – Disse Maurício à velha conhecida, apresentando cada um deles.
– Oi, meu nome é Sonidelene – Retribuiu os cumprimentos e os sorrisos.
O anjo foi a um local mais longe para ninguém o ver se teletransportar, enquanto caminhavam Sonidelene, Rafaela, Larissa e Iuri. Sem saber o rumo que tomariam, Larissa perguntou:
– Aonde iremos? – Perguntou ela, já chegando ao ponto de ônibus. Sem quaisquer espera, deram de cara com o ônibus que precisavam.
– Guarulhos. – Respondeu ela, dando sinal para o ônibus parar.
– Guarulhos? Ainda bem que é do lado de São Paulo. – Disse Rafaela.
Sonidelene sorriu, passaram pela catraca e assentaram-se. Só encontraram lugares livres, pois tomaram o ônibus voltando, se fosse o contrário não conseguiriam nem se mexer.
– Você sempre morou em Guarulhos? – Indagou Iuri, sentado ao lado de Sonidelene, enquanto Rafaela e Larissa ocupavam os assentos detrás.
– Sim, a vida inteira.
– Em que bairro você mora?
– Pimentas. – Respondeu ela.
– Legal, tenho parentes nesse bairro. – Disse Iuri.
– Sério? – Exclamou impressionada – É um bom lugar, é a segunda maior cidade do estado de São Paulo.
– É, sei desse detalhe, mesmo não tendo orgulho disto. – Disse Iuri, olhando os cenários da cidade pela janela do ônibus e a vendo concordar com sua última frase.
Enquanto o ônibus se locomovia pela rodovia, os assuntos cessaram e eles se pegaram pensando na situação grave em que estavam. Como estariam Yan e os outros? Como são os mundos paralelos? O que há dentro deles? Nós vamos voltar para 2011? Ou ficaremos presos aqui?
Para findar com os pensamentos indesejados, era bom conversar.
– Como conseguiu o dom do tempo? – Perguntou Rafaela à recém-conhecida com curiosidade aparente.
Ela lançou um olhar distante à Rafaela.
– Bom, numa noite de insônia, eu fui atingida por uma gota estranha... Como posso explicar? – Fugiam de Sonidelene as palavras.
– Uma gota cósmica? – Soltou Rafaela.
Sonidelene assentiu.
– Como sabe? – Perguntou Iuri olhando para o banco de trás.
– Uma gota assim me atingiu na floresta. – Respondeu ela.
Todos ergueram as sobrancelhas em perfeita sincronia.
– Tão olhando o quê? É verdade! – Disse tentando se livrar do contato visual de todos.
Sorriram.
– Bom, continuando, eu estava sem sono, abri a porta e fui ao meu quintal e, então, aconteceu, eu não entendi e depois de alguns minutos fui dormir.
Larissa reprimiu uma tosse.
– Eu tinha 15 anos, na escola, numa bela manhã, aconteceu algo estranho... – Hesitou com receio.
– O que foi? – Perguntaram.
– Vocês vão rir de mim?
– Não, claro que não. – Disse Iuri por sua vez.
– Minha amiga estava um pouco doente e desmaiou em sala de aula. Ela ficou muito tempo desmaiada, então entrei em pânico e estranhamente tive formigamentos e fiquei ofegante. De repente, minha mão começou a sangrar. – Contou ela.
– Mas você não a cortou!
– Não, o mais estranho é que aquele sangue na minha mão formou um relógio.
– Relógio?
– Sim, como se fosse de parede, sem alças etc.; na minha mão com o sangue, ponteiros e sinalizações em contornos perfeitos. De repente desmaiei e acordei vendo minha amiga cambalear, ou seja, ela ia desmaiar.
– Mas ela já tinha desmaiado! – Observou Rafaela.
– Sim, mas acontece que eu tinha voltado no tempo.
– O quê? – Disseram todos.
– Pois é, depois de um tempo descobri que aquela gota era uma essência do tempo, uma das essências da origem, e eu só podia viajar no tempo quando estivesse em pânico, foi então que sonhei com Deus.
– Por quê?
– Alguns dias depois vi isso em minha cama. – Revelou Sonidelene, mostrando a luva e a adaga em sua bolsa.
– Iguais às do Yan! – Exclamou Iuri.
– Sim, normalmente portadores do tempo têm acessórios e histórias semelhantes.
Engoliram a saliva focados no assunto.
Larissa recostou-se na cadeira.
Sonidelene coçou a cabeça e se ajeitou na cadeira, já desconfortável com os trintas minutos que se passaram dentro daquele ônibus.
Todos ficaram, em silêncio, pensativos e apreensivos. Bom, eles tinham motivos para isto.
Faltavam ainda alguns quilômetros a percorrer para chegar ao destino, porém era confortante a sensação de usar um transporte público depois de toda aquela tensão. Parecia que nada espetacular e ao mesmo tempo assustador tinha acontecido.
E assim continuaram, os três contaram à Sonidelene os últimos acontecimentos – pelo menos os fatos que eles sabiam.
***
São Paulo, 29 de março de 2011.
Em 2011, a tempestade se acalmara, havia passado um dia desde aquelas notícias.
Alice assistia à TV impacientemente, esperando notícias de Carlene. Também se preocupava com Yan, afinal, tiveram momentos lindos juntos e se o perdesse agora?
Ninguém tinha oficializado as mortes que foram anunciadas, talvez por não querer aceitar ou porque dificilmente alguém iria acreditar. Se você escolhesse a segunda opção, então, estaria certo, mas se ponderássemos a possibilidade da primeira... Essa também seria uma afirmação correta, mas a melhor saída era ficar em silêncio.
Eram coisas que Alice pensava antes de Maurício aparecer.
– Ai, meu Deus! – Exclamou ela, ao ver o gigante de três metros.
– Ah, desculpa. – Tomou para si a forma de humano.
– Quem é você? – Perguntou ainda impressionada.
– Maurício, anjo guardião dos portadores do tempo.
“Como assim? Portadores do tempo? Espero que saiba notícias de Yan”, pensou ela.
– Corretíssima. – Disse surpreendendo-a.
– Você é um anjo, não me impressiona.
– Mas se assustou.
– Me pegou desprevenida.
Sorriu o anjo.
– O que o traz aqui? – Perguntou Alice.
– Verdades, vim para contá-las.
Alice sentou-se em seu sofá – o mesmo em que Yan se sentara em sua festa. É, a festa não saía de sua mente. Por sorte, ela estava sozinha em casa, pois seus pais iriam estranhar a presença de tal pessoa, se é que podia chamar assim.
– Sou só ouvidos. – Pediu ela as explicações propostas.
A responsabilidade e a seriedade dos acontecimentos tiravam o ar de Alice. Ela nunca imaginaria que jovens, como ela, enfrentariam tais coisas.
***
Anjos de qualquer escala, quando banidos, voltam ao Paraíso.
Fael chegou desesperado ao Paraíso, se escondeu o mais longe que pôde, o lugar mais longe do trono de Deus era o abismo e foi para lá que ele foi.
O abismo era o lugar onde as almas do purgatório subiam com anjos para o Paraíso. Como era um abismo, ninguém era capaz de descer, as únicas criaturas que conseguiam eram os anjos serafins, os anjos mais próximos de Deus, eram eles que buscavam as almas redimidas.
Então, a única coisa que Fael devia fazer era se esconder dos serafins, então, ofegante, se escondeu atrás da última árvore do Paraíso.
Só que, para sua má sorte, Fael foi visto por Emanuel, outro arcanjo, que caminhava com outros cinco arcanjos.
– Fael! Ele está aqui! – Gritou e apontou.
O desespero chegou e Fael tentou bater asas, mas foi parado por Miguel.
Miguel, o líder dos anjos, o pegou pela asa direita e o jogou no chão.
– Vocês nunca vêm para este lado do Paraíso. Por que estão aqui? – Perguntou, Fael implorava por piedade, quando pedia estas explicações.
– Ah! Entendi, você foi banido lá na Terra! – Disse Samuel, chegando logo atrás de Miguel.
Porém Fael era astuto, tinha uma carta na manga.
– Irmãos! Juntem-se a mim! – Pediu.
– Impressão minha ou essa sensação é a mesma de quando derrubamos Lúcifer? – Observou Daniel.
– Ah! Não me compare com aquele burro. Lúcifer faria isso?
Fael jogou sua espada na árvore e a árvore caiu, fechando a passagem que os seus irmãos o alcançariam. Logo após essa ação desmedida, ele foi mais ousado ao pular no abismo.
– Droga! – Vociferou Miguel, chutando a árvore ao abismo.
A velocidade com que Fael descia era maior do que a de todos os aviões existentes na terra. Ele batia as asas e o vento cortava o que encontrava, em pouco tempo ele conseguia ver o purgatório, a montanha circular.
Ao chegar perto do purgatório, diminuiu a velocidade e, fazendo uma manobra com suas grandes asas, caiu violentamente no chão.
A mil quilômetros dali, estava o mundo do tempo, era possível ver um moinho de vento rodando no horizonte, ao vislumbrá-lo alçou voo e com velocidade menor que da queda ele se direcionou ao seu destino.
Enquanto Fael voava, Yan Lopes e seus amigos caminhavam junto a Anderson Fontanelli.
– Falta muito? – Perguntou Livian.
– Só mais dois quilômetros. – Respondeu Anderson.
Já se passava a conta de trinta minutos de caminhada.
Yan observava sua luva e sua adaga, que naquele momento eram inúteis, ele pensava se Fael teria feito algo para selar os dons, para ter certeza perguntou isso a Anderson.
– Bom, eu cheguei a vê-lo fazendo algo com o ambiente, mas não imaginava o que era e se soubesse não poderia fazer nada.
– Por quê? – Perguntou seu filho.
Anderson o olhou preocupado com suas ações e quais seriam os impactos sobre seu filho.
– Porque na segunda vez que o vi, além de me propor o trato, ele me imobilizou de alguma forma para eu não fugir.
– Então o trato só passava de uma palavra, você foi obrigado a fazer isso. – Lucas disse, entendendo o que era revelado.
– Eu pedi ajuda a Deus, depois de sobreviver ao acidente de avião. Aquela viagem que me daria tudo que eu quisesse, a minha sonhada empresa, mas minha mãe e meu irmão morreram. Sobrou somente eu.
Eles já sabiam daquela história, porém, Anderson decidiu desabafar.
– Então, foi dessa forma que Deus me abandonou! Ele me mandou Fael. No começo fiquei feliz demais ao ver um arcanjo na minha frente, mas era diferente.
– Então você culpa Deus por ter mandado Fael? – Anderson assentiu – E sabe que Deus precisava mandar alguém para te ajudar, não é? – Assentiu novamente – Você já pensou na possibilidade de Deus não interferir no que acontece com seus anjos? – As palavras de Yan foram entregues como uma lâmina afiada.
– Isso também explicaria a queda de Lúcifer. – Acrescentou Anderson, pensando em voz alta.
Yan assentiu.
– Você acredita nisso? – Perguntou Anderson.
– Não, mas me intriga tal possibilidade.
– Você é doido! – Disse Anderson, mas agora também estava intrigado.
– É bem filosófico! – Detalhou Yan.
– Mais um motivo para eu dizer que você é louco!
Após questões tão filosóficas serem tratadas, todos que ouviram se sentiram fora de contexto.
– Bom, filosofia não é algo para doido, é algo para seres pensantes, seres que duvidam do que lhe é apresentado. – Melissa defendeu Yan – E é por isso que ele sonha em fazer psicologia.
Yan sorriu para ela calorosamente.
– Se não fosse pelo meu interesse e pelas minhas experiências com a síndrome do pânico, eu deixaria a psicologia de lado e faria filosofia, mas me sinto capaz de ajudar as pessoas que sofrem de problemas semelhantes ao meu.
– Boa sorte! – Desejou Leonardo.
A conversa foi animadora, enquanto conversavam percorreram um quilômetro, agora só faltava mais um.
As feições que sorriam agora perdiam o brilho dos olhos, tiravam o sorriso do rosto e se entregavam à tensão do momento. Todos se perguntavam: "O que vamos fazer?”
Trinta metros os separavam do portal, porém, não era como imaginavam. Depois de caminharem uma hora e dez minutos, encontraram uma mansão antiga em ruínas e logo à frente uma porta sem paredes ao lado, somente a porta em pé, uma porta dupla.
Boquiabertos, andaram ao redor do local, onde o sol conseguia encher o lugar de calor.
Yan quase caiu de surpresa ao perceber que aquele lugar e aquela porta eram os mesmos que viu no passado.
– Yan, é o local que você viu nas suas viagens?! – Exclamou Lucas e Yan assentiu. – Como isso se sustentou até hoje? E em pé? – Indagou-se Lucas apontando para porta.
– Que lugar é este, Anderson? – Perguntou Yan ainda sem ar.
– Bom, eu sei alguns boatos. – Respondeu ele.
– Nos conte, pai. – Disse Lucas, ainda não muito à vontade ao chamá-lo assim.
– Vocês não têm muito tempo.
Após essas palavras, cada um se sentou em um lugar, alguns se sentaram em umas ruínas que poderiam servir de assento.
Ele sorriu.
– Vocês não têm jeito.
– Há mais ou menos 450 anos, aqui era um mosteiro. Depois de dez anos ativos, houve um acidente que, segundo os registros históricos, aniquilou tudo. – Ao começar a contar a história, Anderson começou se sentir à vontade, fazendo gestos e sorrindo bastante, apesar da história não ter nada de engraçado.
– Isso não parece um acidente. – Disse Melissa apontando para as ruínas.
– Bom, eu ouvi dizer que um anjo caiu aqui. – Revelou ele sem mais delongas.
– Um anjo caiu aqui? – Yan repetiu as últimas palavras em tom de incredulidade.
– Não é um boato sensacionalista? – Perguntou Leonardo.
– Também achei, mas logo depois soube desse diamante. – Apontou para o objeto na mão de Yan.
– O que é, afinal? – Indagou Livian.
Anderson a olhou distante, lembrando-se dos momentos felizes que viveram.
– Um fragmento de um acessório do tal anjo. – Palpitaram os corações. – E por aqui paramos, só isso que sei.
– Então esse anjo tinha alguma coisa a ver com os mundos paralelos, pois este é um fragmento do acessório que usava para adentrar e cuidar dos mundos. – Observou Yan.
– Provavelmente, meu caro.
“Faz sentido”, pensaram todos.
– Você sabe me dizer o que poderemos esperar desses mundos? – Perguntou Fernando.
– Bom, na maioria das teorias diz ser o mundo das suas escolhas, possibilidades e vidas opostas. – Respondeu Anderson.
– E como sairemos de lá?
– Eu não sei, por isso, cuidado. Procurem observar bastante a vida que vocês têm nesses mundos, talvez a tal realidade dê dicas.
Fernando assentiu.
– E como entramos?
– Use o fragmento inserindo-o na fechadura. – Sorriu Anderson.
Yan pensava no que estava por vir, estava ansioso para voltar à sua vida normal, estudar, sorrir e estar tranquilamente com seus amigos. Ponderava a possibilidade de se prender àquele mundo, porém, como sempre fazia, se livrou dos pensamentos.
Lucas não havia pensado nisso, mas agora percebeu que naquele mundo era provável que sua família estivesse completa ou que talvez nunca tivesse conhecido Yan, pensar nisso doía.
O pulso acelerou e a respiração pesou.
– Vamos? – Perguntou Fernando se movimentando para colocar o fragmento no local indicado.
– Espere! – Disse Lucas – Não sabemos se vamos nos reencontrar, acho melhor fazer uma breve despedida.
– É verdade – Concordou ele.
Lucas foi em direção a seu pai e lhe deu um abraço forte, dizendo:
– Pai, não importa o que aconteça, eu nunca vou deixar de te amar.
Lágrimas escorreram. Abraços se seguiram entre todos.
– Vamos! – Disse Fernando pela última vez.
Todos se direcionaram à porta dupla. Fernando foi o primeiro da fila, inseriu o fragmento, que encaixou perfeitamente, esvaindo um som por dentro da porta, o som assemelhava-se ao soprar do vento, mas na verdade era outra coisa.
E a porta foi aberta.
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